God Hand

"God Hand" - mão de deus - é o nome do jogo, mas poderia definir um pouco da trajetória de seu diretor, Shinji Mikami, mais conhecido por ser o criador de "Resident Evil" e de "Resident Evil 4", considerados um dos melhores games da atual geração. É verdade que ele tem em seu currículo algumas obras ruins, caso de "P. N. 03" para GameCube, mas nem por isso vai estragar sua história de vencedor.

O game é apenas o segundo game da Clover Studios, uma produtora fundada com dinheiro da Capcom, e está na incômoda situação de suceder o magistral "Okami", feito pelo seu pupilo Hideki Kamiya. Ambos os títulos tratam de deuses, mas "God Hand" está mais para o lado dos mortais em termos de inspiração. O que não muda é o toque personalista que é a marca dos criadores desse estúdio.

Dor e humor

"God Hand" é um jogo de ação pura com combates, como os "beat 'em up" de antigamente, como "Final Fight" e "Streets of Rage". Aliás, ele mereceria muito mais ser um sucessor de "Final Fight" do que a edição "Streetwise", o hediondo herdeiro oficial do clássico. Como não poderia deixar de ser, há pancadaria para dar e vender no game.

O enredo é apenas para constar. O jovem Gene levava sua vida normalmente, até que viu uma jovem em apuros e foi salvá-la. Mas não foi páreo para os marginais e teve seu braço direito decepado, pois eles pertenciam a uma quadrilha que, sob pretexto de caçar os "god hands", seres que possuem o poder dos deuses, saem mutilando as pessoas.

O que Gene não imaginava é que Olívia, a jovem salva por ele, tem exatamente o poder de conceder o poder divino e assim, ele volta a ter dois braços novamente. Mas seu tormento estava apenas começando, pois os grupos que perseguem os "god hands" estavam em seu encalço. E com uma amiga como Olívia, ninguém precisa de inimigos.

A premissa não é nada genial, mas o que brilha mesmo é como o roteiro é conduzido com cenas de humor, que dão a tônica no game. O título é tudo sobre humor pastelão, não obstante as cenas de pancadaria, mas mesmo nelas, há muitas cenas engraçadas. Mikami é conhecido por ser um piadista - seus colegas dizem que a maioria de suas tiradas não tem graça - e ele levou essa verve humorística para o videogame. Parece que aqui, o riso funcionou.

Mas engana-se quem imagina que "God Hand" seja um jogo fácil, simples, como poderia suscitar por ser engraçado. Pelo contrário, trata-se de um dos games de lutas mais desafiadores dos últimos tempos. Esqueça o amassamento descerebrado de botões dos muitos games do gênero. Aqui, mais importante que atacar, é desviar das ofensivas.

A intenção do produtor não era espantar os novatos, mas fazê-los compreender que a vitória só vem a duras penas. Nesse aspecto, lembra os games de antigamente, em que cada aspecto do game precisava ser estudado para ser ultrapassado. Em muitas partes, para um jogador comum, é praticamente impossível passar na primeira tentativa. Principalmente, contra os chefes. O que ameniza um pouco sofrimento é que o game é dividido em pequenas seções, então, depois de um "continue" o game retrocede apenas um pouco, mas, mesmo assim, o desafio continua.

Deus da pancadaria

"God Hand" já começa no meio da ação, com um tutorial mínimo (que aparece como mensagens no meio do caminho). O sistema de briga tem algumas diferenças em relação a outros game de combates. Geralmente, em títulos assim, há uma infinidade de golpes, alguns com comandos complicados, mas o que acontece na maioria das vezes é que o jogador acaba optando pelo mais simples e mesmo assim é o suficiente para superar os desafios.

O foco de "God Hand" não é esse - como dito, os desvios são de extrema relevância. No game, há um botão para combos, inicialmente de quatro golpes, e mais dois para golpes de um acerto só, que também podem ser modificado ao colocar o direcional para trás. O interessante é que o jogador tem a liberdade de associar qualquer golpe aos botões, inclusive para cada movimento que compõe um combo. São cerca de 100 golpes, no total, para atribuir.

Na hora de editar os ataques, vale o bom senso. Em geral, os golpes fracos são rápidos e as duas qualidades são inversamente proporcionais: ou seja, quanto mais lento o ataque, mais forte ele é. Além disso, eles podem ter características especiais, como fazer voar o oponente ou quebrar sua defesa. Quando montar o combo, convém começar com golpes rápidos, seguido de movimentos de alcance cada vez maior, mas também de certa velocidade - alternando o braço direito e esquerdo -, e terminar com um bem poderoso. De fato, a variedade de golpes é bem ampla e as combinações, maiores ainda. O jogador pode partir para seqüências cheias de estilo, ou usar golpes mais esquisitos. O que vale é a vontade do jogador. Quem gosta de lutas, pode passar horas editando cada movimento.

Mas, como dito, talvez o movimento mais importante no game seja o desvio. Ele é feito através do analógico direito. Os inimigos apanham até certo ponto, mas depois passam a se defender e, se você não agir rápido, vem um contragolpe doloroso. Para vencer o bloqueio, há golpes que ultrapassam a guarda e se isso for feito, seus ataques passam a ser mais poderosos. Se eles começarem a atacar, o jeito é sair do caminho, pois Gene não tem bloqueio. Alguns ataques podem ser revertidos com movimentos rápidos no direcional. Parte da monotonia é quebrada com alguns golpes do tipo "demo", que pode ser acionada em situações especiais.

Lembra um pouco o esquema de "Resident Evil 4", do próprio Mikami. Em "God Hand", quando o inimigo está para morrer ou está tonto, aparece uma mensagem e o jogador deve pressionar o botão círculo. Assim, Gene faz diversos golpes, quase sempre seqüências ultravelozes de joelhadas, socos na linha de cintura ou de chutes, lembrando um pouco as cenas que ficaram famosas em "Matrix". No chão, o protagonista pisa nos oponentes. E a quantidade de golpes só aumenta ao pressionar freneticamente o botão.

O personagem ainda conta com dois tipos de ataques poderosos, mas contados. Um é o God Reel. Com ele, o jogador abre uma lista e escolhe o movimento que quer usar. Aqui estão alguns golpes engraçados, como o famoso chute nas partes baixas, que deixa os oponentes azuis, de tanta dor. Em outro, o lutador faz trejeitos de lançar uma bola de beisebol, e faz um arremesso poderosíssimo para cima do inimigo. A lista pode ser editada e novos golpes se juntam no decorrer da aventura.

O outro ataque é a liberação de tensão. Essa barra é acumulada nas lutas e quando estiver cheia pode ser acionado esse movimento especial. Durante alguns instantes, seu lutador ficará invencível e os golpes, muito mais rápidos e poderosos. Ele deve ser usado basicamente contra inimigos poderosos e chefes.

Não ponha a culpa no controle

Entre um capítulo e outro o jogador podem passar em lojas e cassinos. No primeiro é possível comprar golpes - normais e de God Reel - e itens, como aqueles que aumentam a energia ou o tamanho dos combos. Nos cassinos, é possível brincar com vários jogos de azar, com a esperança de apostar dinheiro e conseguir itens exclusivos.

Os controles são bons, funcionando perfeitamente tanto para atacar quanto para desviar. O sistema automático de perseguir o inimigo mais próximo também é eficiente, apesar de se equivocar em algumas situações. A câmera pode ser um problema, já que está programado para mostrar seu personagem sempre de costas. Mas, em geral, e se acostumando com isso, os contratempos podem ser minimizados.

O jogo é difícil, mas, como afirma o criador, com o tempo e estudando bem o comportamento dos inimigos, todos os desafios podem ser superados. Mas, daí falar que um jogador casual também tem vez no game, aí já é exagero, ainda que haja uma modalidade mais fácil. Mesmo dentro da dificuldade escolhida, há um medidor de "level", que modifica o comportamento dos inimigos. Ao aumentar de nível, os oponentes ficam mais "espertos" e passam a ficar mais agressivos.

No começo, o game pode ser equilibrado, mas, mais para frente, mesmo com todos os melhoramentos adquiridos, os inimigos ficam resistentes demais, e arrastam muito o tempo das lutas. Mas sempre há uma novidade ou outra para descontrair um pouco. Num deles, há uma fase bônus vinda do clássico "Final Fight": o de quebrar um carro.

Rock, velho-oeste e quadrinhos japoneses

O visual de "God Hand" é básico, sem muito polimento, principalmente no cenário. Como que compensando os pobres ambientes, a equipe se concentrou nos personagens, esses sim trazem bom nível de detalhes, mas o que brilha mesmo é sua concepção artística. A inspiração é o velho oeste americano com os mangás de lutas, como "Fist of the North Star". Gene e Olívia podem até parecer normais, mas não em sua estrutura psicológica. Só vendo a história para crer. Já com os outros personagens, principalmente os inimigos, o festival de bizarrice começa já em sua aparência.

Há uma dupla de gêmeos estranhos, por exemplo. O rosto é de um machão como Wesley Snipes, mas os trejeitos... Vale notar que o chute baixo não tem efeito contra o duo. Depois tem um gorila lutador, um quinteto estilo herói japonês, só que totalmente diferente do tradicional, e por aí vai. Não à toa, o game tem a colaboração da Grasshopper Interactive, responsável por "Killer 7", outro jogo com personagens bizarros.

A animação, principalmente de Gene, é excelente. Seus movimentos de luta, apesar de exagerados, têm base em artes marciais reais, e sua guarda é de um brigador. Às vezes, adota uma postura mais relaxada, com a defesa baixa, como fazem os lutadores. Apenas quando corre é que ele parece um pouco robótico.

A trilha musical também é digna de nota. Aqui, a inspiração é o rock clássico, com uma levada similar a de um Dire Straits, principalmente o tema de abertura. Isso realmente é música para os ouvidos, visto que, geralmente, há muitas trilhas de estilo indefinido e aspecto totalmente genérico. Mas isso nem de longe se aplica a "God Hand". Os efeitos sonoros são competentes, assim como as dublagens, com bom tempo para comédias.

Batendo como uma divindade

"God Hand" é um típico game arcade, sem preocupação em ser épico ou ter uma história sofisticada. Aqui, o que vale é a ação, e nesse quesito, está muito bem servido, sem cair na armadilha de ser um título acéfalo. Aqui, é preciso mais habilidade que ficar esmurrando botões. Nem por isso deixa de ter defeitos, pois começa a ficar mais arrastando no final, mas é daquele tipo que, quanto mais experiência tiver, mais fica divertido dar socos e pontapés nos adversários. Chegou sem muita pretensão, mas possui a essência que compõe um bom game.
VIDEO:

FICHA TÉCNICA
Fabricante: Clover Studios
Lançamento: 10/10/2006
Distribuidora: Capcom
Suporte: 1 jogador, cartão de memória

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